quinta-feira, 21 de junho de 2007

Até que os negros contem suas próprias histórias, a história sempre irá favorecer o branco

Refletir sobre a afirmação de enquanto o negro não pode contar sua história é sobre a égide do branco que se reproduz, não se remete apenas àquela lecionada na escola. Para além dela, também engloba a transmitida culturalmente. Não que pretendo ser maniqueísta nessa sentença, entretanto existem muitos ingredientes para desacreditar na hipótese que a omissão e o desprezo à tradição negra sejam apenas pequenos equívocos, lapsos de memórias.
O racismo impregna a trama social que, além de acarretar as distâncias sociais entre negros e brancos, tem provocado à percepção de que esse fosso é natural, portanto, a-histórico. Nos pequenos atos cotidianos, reproduzimos frases, práticas sociais, emissão de sentenças, de modo quase indiferente, que na verdade são clivados por valores morais construídos socialmente, portanto aprendidos.

Nascemos brancos, negros, indígenas e etc., biologicamente a cor não pode ser mudada, mesmo com os avanços tecnológicos na área da estética e beleza ainda são incapazes de alterar carga genética.

Entretanto, desde a tenra idade as socializações promovidas pelas diversas Instituições sociais como escola e família, ensinam sutilmente quais são as parcelas da sociedade que são marginalizadas e as posições que ocupamos na estrutura social. A reprodução social apresenta um padrão de exaltação ao homem branco, como portador da modernidade e protagonista, enquanto o homem negro é arcaico e coadjuvante.

E dentro da subalternização há um emaranhado de vetores, que não só incorporam a questão de Raça como mesclam outros fatores de desigualdade que se opera contra o corpo dos indivíduos, como as mulheres. As questões de Gênero e Raça apresentam muitas similaridades, nascemos naturalmente homens ou mulheres, mas no decorrer da formação das sociedades, principalmente a industrial, acabaram por gerar a dominação do homem sobre a mulher.
É interessante observar que, apesar das inúmeras conquistas nas últimas décadas das mulheres, a realidade social das negras ainda é diferente das demais. Enquanto, a competitividade no mercado de trabalho, o conflito entre a necessidade de dedicação profissional e o tempo para constituir e cuidar da família são os temas de algumas mulheres brancas que pertence à classe média, o ingresso no mercado ainda é um desafio para as mulheres negras, exceção para as funções sem qualquer qualificação.

Assim, como a violência doméstica contra as negras merece destaque, mesmo com a promulgação da Lei Maria da Penha (lei número 11.340/2006), recentemente, que endurece a pena daqueles que cometem a violência contra a mulher, o fato é que as negras ainda se constituem as principais vítimas, tanto dos seus companheiros, que se utiliza do machismo, dependência química e financeira para agredir fisicamente e psicologicamente. Da sociedade que se negligência dos aspetos de âmbito privado, principalmente das negras e pobres que são rotuladas como sem-vergonhas, que gostam de apanhar.

E finalmente do poder público, por às vezes expor às atendidas vexatoriamente, como nos casos de violência sexual. No decorrer do meu trabalho já ouvi um relato de uma pessoa que ao tentar registrar queixa teve de ouvir do policial que o marido dela como provedor da casa estava no gozo de seus direitos e era para ela ter vergonha de prejudicar deliberadamente um pai de família.

Apesar da violência doméstica não só se apresentar em uma camada social especifica, no caso das mulheres negras, além da necessidade de superar a dependência afetiva, implica nas dificuldades de sustentabilidade para si e seus filhos e ainda ter que encarar a tradição que banaliza essa situação.

Dentro desse grosso caldo cultural brasileiro, perdemos de vista a referência positiva da mulher negra na história, as personalidades femininas dos séculos passados muitos se limitam as pertencentes às religiões afro-brasileiras ou que impulsionaram o carnaval. Todavia, no mote atual apresentam tímidas ascensões em algumas áreas, como esporte e entretenimento, a maioria ainda engrossam os índices de pesquisas sobre pobreza, violência intra-familiar e motarlidade materno-infantil.

Em suma, nada é isolado, a cultura e a história sobre designações errôneas contribuem para a construção de um quadro depreciativo sobre a questão de Gênero e Raça. Os afro-brasileiros que sofreram a escravidão no Brasil lembravam laconicamente das histórias de suas terras, das tribos, dos heróis, o sincronismo e religiosidade propagavam suas raízes e impulsionavam a luta contra a opressão em prol da liberdade. E hoje à falta de otimismo e a distorção da história sobre o negro, fomenta a descrença de um futuro melhor. E dentre uma das estratégias para superar esse quadro imposto, aponto na transversalidade das ações, para abranger desde os pequenos atos cotidianos a estrutura, aliando os movimentos sociais, Organizações Não-governamentais, governos, sociedade civil, imprensa, comunidade acadêmica e entre outros. E principalmente identificar nas representações simbólicas partilhadas socialmente, presente desde os materiais didáticos escolares e até nas relações sociais em geral, que contribuem para legitimar uma raça sobre outro(s), um gênero sobre o outro.

Karina da Silva PintoAssistente Social

Conselheira Municipal de Assistência Social de São João de Meriti.Atuante nos ações em prol de Gênero e Raça na Baixada Fluminense.kar_inasilva@hotmail.com

Fonte: http://www.dialogoscontraoracismo.org.br
Pesquisa organizada por Rejanne Soares

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