quinta-feira, 21 de junho de 2007

Mulheres Negras Vivendo com HIV

Mulheres negras vivendo com HIV passam por uma experiência mais difícil, e sujeita a uma probabilidade maior de complicações ou insucesso no tratamento, do que mulheres não-negras. A análise de entrevistas e do perfil sócio-econômico de mais de mil soropositivas paulistas, feita pela bióloga Fernanda Lopes, aponta claramente as diferenças no que se chama vulnerabilidade quando considerada a raça das pacientes. Em outras palavras, caracterizou estatisticamente quanto e como cada grupo está exposto tanto à infecção pelo vírus, como ao adoecimento de fato.

Os resultados da pesquisa, apresentados em sua tese de doutorado, mostram que as negras chegam mais tardiamente e já adoecidas ao sistema de saúde, têm mais dificuldade de seguir o tratamento e não encontram, nos serviços especializados, profissionais capazes de compreender as especificidades relacionadas à questão racial.A capacitação dos profissionais de saúde para reconhecer as necessidades próprias à condição racial é o que Fernanda reforça como o primeiro passo a ser dado para tentar diminuir estas disparidades no serviço de atenção a pacientes com HIV. “É importante identificar estes fatores que determinam a vulnerabilidade para que os programas de prevenção e tratamento passem a considerar as dimensões social, de gênero e as desvantagens históricas acumuladas pela população negra, em especial as mulheres”, afirma. “Quando o profissional não percebe a diferença entre os grupos, não percebe que há ecessidades diferentes.”Uma das formas de reconhecê-las é melhorando a qualidade do diálogo entre profissionais e usuários do sistema de saúde.

No entanto, Fernanda frisa que o tratamento desigual “pode ser uma manifestação de racismo”, mas não dos profissionais. Estes precisam ser sensibilizados para reconhecer as práticas institucionais “cristalizadas” que acabam tornando “naturais” fatos como postos de saúde nas periferias, usados com maior freqüência por negras, serem mais precários que os serviços oferecidos nas regiões centrais das cidades. “É impossível admitir que o serviço prestado seja diferenciado”, indigna-se a bióloga, que hoje coordena as ações de saúde do Programa de Combate ao Racismo Institucional.

DIFERENÇAS SOCIAIS

A pesquisa feita por Fernanda Lopes faz parte de um projeto maior dedicado a avaliar a qualidade do cuidado e a vulnerabilidade de mulheres com diagnóstico de HIV atendidas em centros especializados no estado de São Paulo. A pesquisadora, então, selecionou uma amostra de 1.068 pesquisadas – 526 não-negras (que se declararam brancas, amarelas ou indígenas) e 542 negras (declaradamente negras ou pardas). As perguntas feitas a elas avaliaram quatro momentos: o anterior à infecção, a chegada ao serviço de saúde, o diagnóstico e o atendimento nos serviços especializados.O primeiro passo para estabelecer as diferenças entre os fatores de vulnerabilidade de um e outro grupo foi caracterizar a condição sócio-econômica de cada um. O perfil das mulheres negras que emergiu desta análise é bastante coerente com o que em geral apontam pesquisas menos focadas. Elas tinham menor escolaridade e renda individual e per capta menor que as mulheres não-negras. Suas casas tinham menos cômodos, suas famílias eram mais numerosas e elas eram responsáveis pelo cuidado de um número maior de pessoas.Cruzando alguns destes dados com outros também retirados da pesquisa, Fernanda conseguiu apontar a interferência destas condições sociais sobre, por exemplo, como as pacientes negras relacionam-se com os profissionais de saúde que as atendem nos serviços especializados. Quanto menor a escolaridade neste grupo, maior o número de mulheres que respondeu afirmativamente à pergunta “tem/teve dificuldade em tirar dúvidas com ginecologista ou infectologista?”.Outra interferência apontada por Fernanda diz respeito ao número de pessoas sob os cuidados da mulher e a condição em que esta chegou pela primeira vez ao sistema de saúde. “Sabe-se que o auto-cuidado é, para a mulher, secundário em relação àqueles que ela tem com a família”, afirma a pesquisadora. “Portanto, quanto mais gente ela tem para cuidar, menos tempo ela dedica para cuidar da sua saúde, da sua autonomia.” De fato, a pesquisa apontou que as mulheres negras chegam mais tardiamente e já doentes para fazer o diagnóstico. “Elas não chegavam ao serviço de saúde para testar o HIV após terem sido expostas a uma situação de risco, mas porque já estavam doentes”, explica a bióloga.

MENOS ATENÇÃO NO TRATAMENTO

A avaliação dos dois grupos sobre o atendimento nos serviços especializados também teve outras diferenças acentuadas. As mulheres negras tiveram menor acesso a informações corretas sobre aspectos relacionados ao tratamento como o uso dos medicamentos anti-retrovirais ou sobre as ações de redução de danos para usuários de drogas injetáveis.Outro detalhe pouco conhecido pelas negras, e considerado fundamental por Fernanda, é o significado dos testes realizados. São dois: o exame de carga viral, que conta quantas cópias do vírus estão presentes na corrente sangüínea; e o CB-4, que diz quanto está sendo produzido de anticorpos pelo organismo. O primeiro serve para medir a extensão da infecção e o segundo, o quanto a doença já está se manifestando. “Saber o significado de cada um desses exames têm uma relação direta com a adesão ao tratamento e a construção de estratégias de auto-cuidado mais eficientes”, comenta a pesquisadora.As mulheres negras também tiveram menos oportunidades de discutir com profissionais de saúde sobre sua vida sexual. Elas também passaram com menos freqüência pela avaliação de outros especialistas que não ginecologistas e infectologistas, mas que igualmente podem fazer diferença no tratamento, como dentistas ou nutricionistas.O estudo feito por Fernanda não permite relacionar esta atenção menos qualificada às mulheres negras com sua qualidade de vida e longevidade. No entanto, ela lembra que outras pesquisas dão indícios de que este grupo racial adoece ou morre mais rápido em decorrência do HIV. A taxa de mortalidade, por exemplo, é 2,9 vezes maior entre pretas e pardas quando comparadas às brancas. Também o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde em 2004 apontou uma estagnação da epidemia entre a população branca, mas um número crescente de infectados entre os negros.

Fonte: Site
http://www.reportersocial.com.br/
Pesquisa organizada por Rejanne Soares

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